Frango Frito: o que faz a versão de Alex Atala ser tão marcante?

Frango frito
Frango frito Método Alex Atala

Se todo país tem seu frango frito, qual seria o frango frito que fala a língua do Brasil?
Na cozinha de Alex Atala, essa pergunta ganha forma, textura e som. O estalar do óleo quente encontra o perfume do limão, a doçura do mel e o frescor das ervas — e o resultado é um frango frito que vai muito além da crocância.

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Mais do que uma receita, o frango frito de Alex Atala é uma leitura gastronômica sobre o Brasil. Um prato popular reinterpretado com técnica, respeito e poesia culinária.
E é justamente nessa fronteira entre o simples e o sofisticado que mora sua força.

O frango frito no mundo

Antes de entender a genialidade da versão brasileira, vale olhar para o contexto global desse clássico.

Na Japão, o karaage traz pedaços pequenos, marinados em saquê, shoyu e gengibre, depois empanados em amido de batata — leves, delicados, equilibrados.

Na Coreia, o Korean Fried Chicken é duplamente frito para garantir crocância extrema e, muitas vezes, coberto por molhos picantes e adocicados, como o famoso yangnyeom.

Na China, o frango frito carrega uma técnica ancestral: o uso do óleo quente como meio de cocção e como veículo aromático. Lá, o óleo não é apenas gordura — é linguagem. Ele cozinha, tempera e sela aromas de alho, gengibre e pimenta de modo quase cerimonial.

Já no Brasil, a fritura é tradição de quintal, de boteco, de domingo em família. O frango frito aqui tem alma, improviso e um toque de calor tropical. E foi justamente essa brasilidade que inspirou Atala a reinterpretar o prato.

A filosofia por trás da versão de Atala

frango frito alex atala
Frango frito método Alex Atala

Alex Atala não busca reinventar a roda — ele a afina.
Seu frango frito nasce do respeito à simplicidade e da sofisticação de quem entende que técnica é apenas o meio. O fim é sabor, memória e identidade.

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Na sua cozinha, a alta gastronomia dialoga com o popular sem hierarquia. A coxa e sobrecoxa viram protagonistas; o coentro — inclusive o talo e a raiz — ganha função de estrela aromática.
E o mel, ingrediente brasileiro e natural, traz brilho, doçura e contraste à fritura.

É a tradução perfeita de sua filosofia: fazer muito com pouco, desde que o pouco seja verdadeiro.

A construção do sabor

O sabor começa na marinada, feita apenas com limão, sal e alho fatiado grosso.
Simples? Sim. Mas é nessa simplicidade que mora o segredo. O limão ativa a acidez e amacia as fibras; o alho libera óleos essenciais; e o sal puxa a umidade na medida certa, permitindo uma textura suculenta.

Enquanto o frango descansa, entra o segundo ato: a arquitetura dos aromáticos.
Pimentas de cheiro e dedo-de-moça, coentro com talos e até as raízes — tudo picado grosseiramente, para preservar textura e intensidade. A ideia é que, na mordida, o sabor não se dissolva, mas se revele aos poucos.

E então vem o empanamento.
Nada de farinha de trigo. Atala usa amido de milho, que cria uma película fina e rígida, garantindo crocância sem empastamento. O resultado? Um frango leve, firme e com casca sonora.

A técnica que faz a diferença

O método de fritura é híbrido — entre o “deep fry” e o “shallow fry”.
O frango é submerso parcialmente em óleo quente, o suficiente para dourar de forma uniforme e preservar a suculência interna. O controle térmico é essencial: temperatura entre 170 °C e 180 °C, e tempo de fritura de 10 a 15 minutos.

Mas o verdadeiro toque autoral está na etapa seguinte — o banho de óleo quente sobre os aromáticos frescos, técnica inspirada na cozinha chinesa.
O óleo usado para fritar o frango é reaproveitado, agora como condutor de calor: ele cozinha os temperos crus (alho, pimentas, talos de coentro e raspas de limão) sem queimar, liberando perfumes intensos e mantendo frescor.

Esse gesto transforma a marinada em molho quente aromático, que é vertido sobre o frango já frito.
O choque térmico sela o sabor e cria camadas sensoriais — doce, ácido, picante e tostado — que se equilibram como uma sinfonia.

Crocância e contraste: a engenharia do prazer

Atala busca contrastes em tudo.
O crocante do amido encontra a umidade da carne; o calor do óleo contrasta com a cebolinha recém-saída da água gelada; o mel equilibra a acidez do limão.
Essa alternância de temperaturas, texturas e sabores é o que mantém o paladar curioso a cada mordida.

O toque de gergelim torrado finaliza o prato com aroma de noz e um brilho dourado, lembrando que a beleza da cozinha está também na superfície — no que reluz.

Por que é um frango frito brasileiro

Não é apenas pelo uso do limão, do mel ou do coentro.
É pela postura.
Atala propõe uma cozinha que fala de afeto, improviso e identidade. Seu frango frito é urbano, mas carrega o DNA da cozinha de quintal.
A rusticidade é proposital: os cortes são grandes, as pimentas são visíveis, a textura é marcada.
É a celebração do sabor direto, da simplicidade com propósito — e isso é profundamente brasileiro.

O uso integral dos ingredientes — talos, raízes, cascas — também reflete a sustentabilidade e o respeito pelo alimento, conceitos centrais na filosofia do chef.
Nada é descartável; tudo tem função e sabor.

Comparando com versões asiáticas

O karaage japonês é leve, quase aéreo. O frango é marinado em shoyu e saquê, empanado e frito em lotes pequenos. A intenção é pureza e equilíbrio.

O frango frito coreano é potência: duplamente frito, glaceado em molhos intensos de alho, pimenta e açúcar mascavo. Crocante e pegajoso ao mesmo tempo.

Já o frango frito chinês é técnica e aroma. O uso do óleo quente sobre temperos é marca registrada — e exatamente aí Atala encontra seu ponto de diálogo.

A diferença?
O brasileiro adiciona emoção.
Na versão de Atala, o gesto técnico asiático é atravessado por ingredientes e sentimentos tropicais. O resultado é um frango frito com sotaque brasileiro, onde cada detalhe traduz o equilíbrio entre ciência e instinto.

A ciência do mel e do limão

O mel não está ali apenas pelo sabor. Ele cria um leve caramelo natural sobre o frango quente, ajudando a fixar os aromas e dar brilho visual.
Já o limão atua como agente ácido, equilibrando o pH da fritura e limpando o paladar a cada mordida.
É química pura a serviço da gastronomia sensorial.

O contraste entre doçura e acidez é o que desperta o prazer.
É o mesmo princípio usado em sobremesas de confeitaria fina — aplicado agora à fritura, com elegância e intenção.

Receita Frango Frito – Método Alex Atala

Ingredientes

Para o frango

  • Coxa e sobrecoxa desossada com pele (cortadas em 4 pedaços cada)
  • 1 limão (suco e raspas finas da casca)
  • Sal a gosto
  • 3 dentes de alho fatiados (chips grossos)
  • Amido de milho (para empanar)
  • Óleo para fritura

Aromáticos pós-fritura

  • 2 dentes de alho crus picados
  • 4 pimentas-de-cheiro grosseiramente picadas
  • 2 pimentas dedo-de-moça sem sementes picadas
  • Talos de coentro picados
  • Raiz do coentro (opcional, para aromatizar o óleo na fritura)
  • Cebolinha verde (parte branca em rodelas, parte verde picada na diagonal, deixada em água gelada)
  • Mel (quantidade generosa)
  • Óleo de gergelim (algumas gotas)
  • Sal para ajuste final
  • Gergelim para finalizar

Procedimento

1) Corte e marinada inicial

  • Corte as coxas e sobrecoxas em pedaços grandes (mordida generosa).
  • Tempere com:
    • Suco de limão
    • Sal
    • Alho fatiado grosso
  • Misture bem e deixe marinar enquanto prepara os aromáticos e aquece o óleo.

2) Preparação dos aromáticos

  • Pique grosseiro:
    • Pimenta-de-cheiro
    • Pimenta dedo-de-moça sem sementes
    • Talos de coentro
  • Separe a parte branca da cebolinha (fatiada fina) e a parte verde (cortada na diagonal). Coloque a parte verde em água gelada para manter textura crocante.
  • Preserve as raízes do coentro (se tiver) para fritar e aromatizar o óleo.
  • Reserve raspas finas da casca do limão (retire a parte branca ao máximo).

3) Empanar

  • Passe o frango marinado no amido de milho.
  • Remova excesso agitando levemente — objetivo é crosta fina e firme, sem empastamento.

4) Fritura

  • Frite em óleo quente por aproximadamente 10–15 minutos.
  • Ponto: dourado profundo e crocante.
  • Utilize papel-toalha para drenar.
  • Durante a fritura, coloque as raízes do coentro no óleo para aromatizar (opcional).

5) Molho quente (técnica chinesa com gordura quente)

No bowl onde marinou o frango (sem o frango), adicione:

  • Alho cru picado
  • Pimenta-de-cheiro
  • Pimenta dedo-de-moça
  • Talos de coentro
  • Raspas de limão
  • Algumas gotas de óleo de gergelim

Misture.
Em seguida, despeje uma concha pequena do óleo quente da fritura por cima.

Função técnica: cozinhar aromáticos sem oxidar, liberando frescor, óleos essenciais e textura crocante.

Acrescente mel. Ajuste o sal. Misture.

6) Finalização

  • Coloque o frango crocante na travessa.
  • Regue com o molho quente aromático.
  • Finalize com:
    • Cebolinha verde escorrida da água (entrando ainda úmida)
    • Gergelim

Resultado esperado

  • Crosta firme e crocante por amido.
  • Caramelo leve do mel equilibrado pela acidez do limão.
  • Aromáticos frescos preservados pelo choque térmico do óleo.
  • Contraste de textura: frango crocante + cebolinha gelada + crocância leve das raízes fritas (opcional).

Gastronomia afetiva e identidade nacional

Por trás de cada passo técnico, há emoção.
Atala não ensina apenas a fritar frango; ele ensina a olhar para o comum com olhos de criação.
O prato fala de infância, de boteco, de cozinha de mãe — mas também de profissionalismo, precisão e respeito ao ingrediente.

É o encontro entre gastronomia afetiva e alta técnica.
Entre o sabor que aquece e a execução que impressiona.
E é justamente nesse equilíbrio que o frango frito de Atala deixa de ser receita e vira discurso.

Fritar frango é simples.
Mas transformar esse gesto cotidiano em uma declaração de identidade culinária é o que torna a versão de Alex Atala tão marcante.

Seu frango frito é crocante, aromático e emocional — mas, acima de tudo, é brasileiro.
É o sabor da terra traduzido em textura, calor e afeto.

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